As lições secretas dos jardins

O convívio com as plantas ou a simples contemplação de sua beleza pode nos ensinar a viver com mais sabedoria, além de contribuir para que tenhamos mais calma, serenidade e concentração, afastando de vez a ansiedade

Coloridos, perfumados, sombreados, os jardins são oásis de tranqüilidade e de bem-estar. Além de agradarem aos olhos e convidarem ao relaxamento, esses redutos de beleza e frescor podem ainda nos ensinar profundas lições espirituais. Basta encararmos seu cuidado como uma prática de meditação e autoconhecimento, capaz de nos conduzir pelas veredas da serenidade e da autoconfiança.

Assim como o mundo interior de cada ser humano, o jardim está sujeito a diversas condições, muitas vezes, alheias à nossa vontade. Excesso ou falta de água, calor, tempestades, florescimento, pragas, bênçãos e cura. Ao regar a terra seca, retirar as folhas mortas, observar o nascimento dos brotos e testemunhar o desabrochar de uma flor, aprendemos a deixar que pensamentos insistentes, velhos hábitos, idéias, crenças e amores vivam ou morram. Colocamos em prática o desapego e aprendemos a respeitar nossos ciclos internos, tão espontâneos e vitais quanto as estações da natureza. "O jardim deve ser revolvido no outono, a fim de que se prepare para a primavera. Ele não tem como estar florido o ano inteiro", ensina a psicóloga e escritora norte-americana Clarissa Pinkola Estés, no livro Mulheres que Correm com os Lobos (Rocco, 1992).

Os Jardins Suspensos da Babilônia foram construídos no século 6 a.C pelo rei Nabucodonosor para agradar à sua esposa predileta, Amitis, saudosa dos campos e florestas de sua terra. Eles figuram entre as Sete Maravilhas do Mundo Antigo por sua magnitude e encanto. Mas não se engane, tamanho não é documento, muito menos grandeza material. Infelizmente, a vida nas grandes cidades impede que tenhamos à nossa disposição jardins particulares (sem falar nos públicos) prontos a nos receber depois de um dia de trabalho. Mesmo assim, o que vale é o significado atribuído, por exemplo, a uma minihorta distribuída em vasinhos na cozinha ou às flores dispostas no batente da janela. O importante é o vínculo de carinho e cuidado estabelecido entre as partes.

Siga o exemplo do Pequeno Príncipe, o imortal personagem do escritor Antoine de Saint-Exupéry. Eleja sua flor predileta e a ela dedique seu afeto incondicional. "Se alguém ama uma flor da qual só existe um exemplar em milhões e milhões de estrelas, isso basta para fazêlo feliz quando as contempla".

Lições do olhar

De acordo com a psicóloga Telma Natali, contemplar é um ato cada vez mais raro na sociedade contemporânea, já que exige uma atitude oposta à racionalização. "A contemplação é um ato passivo e, ao mesmo tempo, de total entrega. Através dela, entramos em contato com nosso mundo interno", explica. Para isso, é preciso, antes de tudo, vencer as resistências da individualidade e vivenciar a integração com a natureza, redimensionando o próprio tempo. Como resultado, diminuímos o ritmo mental, acalmamos a respiração, aplacamos a ansiedade e, assim, entramos em sintonia com a força vital criativa e renovadora emanada pelo cosmos. "Por meio da imagem, do olhar, internalizamos sabedoria e força usando nosso canal intuitivo", acrescenta. Se a ponte for estabelecida, as lições podem brotar da simples observação, ou, para alguns, do diálogo silencioso que existe entre as plantas e o homem.

O bambu, robusto e, ao mesmo tempo, maleável, nos ensina a sermos flexíveis. Suas hastes oscilam de acordo com o vento, seja este uma leve brisa ou a mais avassaladora tempestade. Delicada, por excelência, a rosa nos remete à fragilidade. Ela nos lembra que heróis feitos de aço são obra da ficção e que os mortais são constituídos de ossos, carne, sentimento e limites. Já o cacto é a síntese da resistência. Sob o sol escaldante, sabe preservar a seiva com sabedoria. A orquídea, por sua vez, é a prova de que parcerias são sempre produtivas e, sobretudo, fundamentais para a sobrevivência. Epífitas buscam apoio em outras árvores ou arbustos à procura de luz, sem prejudicar, no entanto, seus anfitriões. Acolhida por eles, sente-se à vontade para desabrochar sua exuberância.

Sensibilidade oriental

Os orientais são mestres em cuidar de suas plantas, flores e jardins como quem cuida da própria alma. Mesmo em face dos avanços tecnológicos, não deixaram de respeitar a natureza e reverenciá- la em seu dia-a-dia. Por essa razão, no Japão o paisagismo é uma das mais elevadas formas de arte. Os chamados jardins zen concentram a essência da natureza em um espaço reduzido, ou seja, o jardim é visto como um microcosmo do mundo, o lugar ideal para a meditação e a contemplação. Os projetos paisagísticos são norteados por princípios da filosofia zen, tais como assimetria, simplicidade, maturidade e naturalidade. Os contrastes entre superfícies lisas e ásperas, linhas verticais e horizontais, estimulam a mente a encontrar seu próprio caminho rumo à perfeição. Nesse cenário, as palavras de ordem são harmonia e equilíbrio. Dentro dessa concepção, o sakura ou cerejeira ornamental, símbolo nacional reconhecido como a flor da felicidade, tem lugar de destaque na cultura e nos jardins japoneses. Para comemorar a floração da árvore nos meses de março e abril, o povo festeja o Hanami, que quer dizer "apreciar as flores". Nessa época do ano, as pessoas se espalham pelos parques, templos, beiras de rios e ruas, onde fazem piqueniques sob as cerejeiras em flor para obter boa sorte. Assim, dão adeus à reclusão invernal e boas-vindas à primavera.

O íntimo relacionamento entre homem e natureza é expresso ainda por outro ícone da cultura japonesa: o bonsai, que significa "árvore em bandeja". Os chineses desenvolveram no século 3 a.C. a técnica de cultivar árvores naturalmente miniaturizadas em pequenos recipientes. Posteriormente, os japoneses adotaram o procedimento, transformando-o em arte, de acordo com os ensinamentos do zen budismo. Os primeiros registros de bonsai no Japão são do período Kamakura (1192 -1333), mas foi no período Edo (1615-1867) que a técnica se popularizou. O bonsai representa a união de arte, técnicas e tempo. Embora pequenino, conjuga a beleza, a saúde e o volume da árvore em tamanho natural.

Ramos em sincronia

A China também foi o berço da ikebana, a arte dos arranjos florais, cujos primeiros registros remontam ao século 6. As composições eram depositadas nos altares de templos e palácios como oferenda a Buda e aos antepassados. Com o passar do tempo, a prática perdeu a conotação religiosa e passou a ser utilizada como elemento decorativo.

No Japão, o termo ikebana surgiu no século 17, embora os arranjos já existissem muito antes, sob a denominação de tatehana. "Dar vida às flores". Essa é a função da ikebana para Keiko Mochizuki, professora da Aliança Cultural Brasil Japão, em São Paulo. Para ela, o manuseio das flores ensina a moderação e, principalmente, a concentração. Na hora da aula, o estresse do mundo exterior não é convidado a entrar. "Ao nos concentrarmos nas flores, vamos descobrindo uma beleza natural que enriquece a vida", afirma. Ela é partidária do estilo sogtsu, que entende a ikebana como uma obra de arte moderna, marcada pela liberdade criativa e pela subjetividade do criador. "Dentro da natureza, a flor é apenas uma flor. Na ikebana, ela se torna abstrata, pois adquire o caráter do artista", dizia Sofu Teshigahara (1900-1979), o criador do estilo sogtsu, considerado o Picasso das flores. Sua colega Tokuko Kawamura, adepta do estilo ikenobo, vertente tradicionalista focada no esmero pela forma, vê na prática a possibilidade de trabalhar as emoções. "Cada um carrega um tipo de sentimento, por isso as ikebanas não são todas iguais". Muitas vezes, seus alunos chegam às aulas reclamando de cansaço e saem renovados e contentes. Ela afirma com convicção que a força que os alimenta vem das plantas.

Fonte: Revista Estilo Natural - nov 2006

 

 

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