Água:
o ouro do terceiro milênio
Embora o Brasil colecione
títulos dignos de orgulho - como em várias modalidades
esportivas -, infelizmente ainda temos de engolir alguns outros não
tão dignos: o de
ser um dos países que mais desperdiça água no mundo
Pouca
gente sabe, mas atualmente 40% do volume de água tratada que é
servido à população acaba, literalmente, sendo desperdiçado.
O fato de o nosso país ter sido tão abençoado pela
natureza não justifica essa cultura do desperdício.
O problema é que essa constatação pode ser encarada
como mais uma daquelas vergonhas que o brasileiro costuma esconder, só
que o caso é realmente grave: a água está se tornando
escassa em todo o planeta e se as coisas não começarem a
mudar, poderemos assistir à concretização daqueles
cenários desolados dos filmes futuristas.
Desde o final do ano de 1997, o governo está tentando atingir companhias
de saneamento, empresas e usuários em geral com uma campanha que
visa baixar as perdas de água para 25%: trata-se do Programa Nacional
de Combate ao Desperdício de Água. Pelos cálculos
da Secretaria de Política Urbana (SPU), se o programa for bem sucedido,
essa redução vai resultar numa economia de 2,6 bilhões
de metros cúbicos de água, avaliada em R$ 1,27 bilhão
por ano. Nada mau, para um país que precisa acertar suas contas.
O setor rural também apresenta uma performance merecedora de atenção:
é o maior usuário do Brasil, correspondendo a cerca de 70%
do consumo total de água e, lamentavelmente, é também
o maior poluidor. A Secretaria de Recursos Hídricos está
montando o Projeto de Conservação e Revitalização
de Recursos Hídricos, tendo como alvo o setor rural. Ainda em fase
experimental, o projeto prevê a expansão para uma visão
de manejo integrado de solo e água. A intenção é
desenvolver campanhas educativas e oferecer financiamento para atividades
que recuperam e melhorem os mananciais, estimulando os produtores a, por
exemplo, recuperar matas ciliares ou cuidar para que os dejetos de suas
propriedades não contaminem os mananciais.
No âmbito urbano, além das medidas concretas como verificação
e eliminação de vazamentos e ligações clandestinas,
alteração das normas de construção de prédios
e residências, entre outras, existe também um grande desafio
que é a mudança no comportamento da população
que, atravessando gerações, vem enraizando cada vez mais
a cultura do desperdício.
Sede
mundial
Segundo alerta da ONU (Organização das Nações
Unidas), divulgado no mês de março, dentro de 25 anos, aproximadamente,
um terço da população mundial enfrentará graves
desabastecimentos de água, aumentando o perigo de guerras pelos
recursos hídricos. A declaração do vice-secretário
geral da ONU, Hans van Ginkel, não foi nada animadora: conflitos
por causa de água, guerras civis e internacionais ameaçam
tornar-se um fator-chave do panorama mundial no século XXI.
Ainda de acordo com o relatório da ONU, a escassez de água
é agravada pela poluição, pelo uso ineficiente e
pelo consumo insustentável dos lençóis subterrâneos
através dos poços artesianos. As reservas hídricas
também são prejudicadas por sua administração
insuficiente e fragmentada, relutância em tratar a água como
patrimônio econômico público e pela inadequada preocupação
com a saúde e questões ambientais.
Tudo isso pode parecer coisa de ecologistas apavorados mas,
infelizmente, não é. Embora dois terços da superfície
da Terra sejam realmente cobertos por água (formando um volume
de 1,5 bilhão de Km3), a verdade é que cerca de 97,5% desse
total são constituídos de água salgada. Restam, portanto,
2,5% que ainda incluem os gelos polares.
A ONU está preocupada e com razão: hoje já sabemos
que o estoque utilizável de água potável, de 9 mil
Km3 ao ano, está próximo do esgotamento. A recomendação
é que consumidores e cidadãos participem mais direta e ativamente
na administração desse recurso natural.
E
no Brasil...
Atualmente muitos países já enfrentam
problemas com a escassez de água. Mas o Brasil tem muita água,
podem pensar alguns. É o Brasil realmente tem. A Amazônia,
por exemplo, é portadora da maior bacia fluvial do mundo. Só
que esses muitos e maiores são também aplicados
às taxas de poluição e desperdício. Só
para se ter uma idéia, apenas na região metropolitana de
São Paulo, metade da disponibilidade de água está
afetada pela existência de lixões sem qualquer tratamento
sanitário*. A água contaminada é responsável
pela transmissão várias doenças como desinteria e
cólera, entre outras.
Em outras regiões do Brasil a história não é
muito diferente: metais tóxicos, como o mercúrio usado no
garimpo, acumulam-se criminosamente em nossas águas. Para cada
450 gramas de ouro extraídos dos rios da Amazônia, o dobro
de mercúrio é despejado na água resultando num cálculo
assustador: cerca de 100 toneladas anuais desse metal envenenam a Bacia
Amazônica.
No setor rural, lamentavelmente, é onde ocorre a maior taxa de
desperdício por conta de métodos de irrigação
não racionalizados. A grande quantidade de água utilizada
no setor agrícola pode ser sensivelmente reduzida com a implantação
de processos de irrigação bem planejados. O setor também
contribui para o aumento da poluição, despejando nas águas
os restos de pesticidas agrícolas.
E o que fazer? Temos de exigir que a administração do uso
da água seja feita com responsabilidade. Além disso, cada
um de nós, não importa nossa atividade profissional, somos
seres humanos dependentes deste valioso recurso natural. Se em cada momento
do nosso dia-a-dia, tivermos em mente que somos responsáveis pela
nossa água do futuro, poderemos contribuir para garantir uma límpida
e potável reserva.
* Segundo dados preliminares do estudo
Entre Serras e Águas da Secretaria de Estado do Meio
Ambiente.
Artigo publicado na Revista
Tempo Verde (abr/mai-99)
Rose Aielo Blanco é jornalista
especializada na área de ecologia,
jardinagem e cultivo de plantas ornamentais.
A
ÁGUA EM NÚMEROS
Estoque total
de água do planeta: 1,5 bilhão de Km3
Volume mundial disponível para consumo: 9 mil de Km3
Superfície da Terra coberta pela água: 372 milhões de Km3
População sem acesso à água potável:
mais de 1,4
bilhão de pessoas
Fonte: ONU
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