Pau-rosa pode morrer Pau-rosa (Aniba rosaeodora), um doce aroma que pode morrer. A árvore de onde é extraído o óleo para perfumes famosos está ameaçada de extinção Se na pele das mulheres a fragrância do Chanel N.º 5 inspira desejo e elegância, no caboclo da Amazônia cheira a suor e cachaça. A história do perfume mais famoso do mundo, imortalizado por ser a única coisa que Marilyn Monroe "vestia" para dormir", começa nas entranhas da selva amazônica, bem longe do glamour das boutiques, bolsas e pescoços decorados por jóias. No mato, caboclos malvestidos e malpagos precisam ir cada vez mais longe, se embrenhar sempre mais para encontrar o pau-rosa, do qual extraem um dos principais ingredientes do perfume. A árvore foi tão explorada nas últimas décadas, que está ameaçada de extinção, pondo em risco a sobrevivência da espécie e da própria indústria. Os "pau-roseiros", como são conhecidos, chegam a passar três meses na floresta, vestindo apenas um par de Havaianas, calção e camiseta, para conseguir a madeira. Nada de motosserra ou trator. As toras são cortadas no serrote e carregadas nas costas, amarradas a uma mochila de cipó chamada jimanchi. A alimentação é à base de caça, principalmente macaco, veado e porco cozido. Quem relata é o repórter fotográfico Pedro Martinelli, que acompanhou uma dessas expedições na região do Rio Nhamundá, divisa do Amazonas com o Pará. A aventura começou em Parintins, onde ele foi fotografar a Festa do Boi, em 1995. "Senti um cheiro forte, perfumado, e fui atrás. Acabei chegando a uma usininha de pau-rosa", conta. Na fabriqueta, a madeira é moída, colocada em uma caldeira com vapor injetado e fervida por 12 horas. "É como uma panela de pressão. O óleo sobe para a superfície e é separado da água." Das usinas, o óleo segue para Manaus, de onde é despachado para o exterior, a US$ 40 o quilo. Algum tempo depois, retorna ao Brasil a preço de ouro, misturado a fórmulas secretas de perfumes de luxo. Um vidro grande de Chanel N.º 5 chega a custar US$ 145. "Quando a mulher passa o perfume, não tem idéia do que está por trás desse gesto", afirma Martinelli. De Parintins, ele seguiu com uma dúzia de caboclos para o norte, pelo Nhamundá. Foram quatro horas de barco até a entrada de um igarapé e outras oito horas de jangada, empurrada com vara, até a boca do ramal, uma trilha aberta na mata para escoar a madeira. O ramal dá acesso a uma série de picadas que levam às árvores, identificadas previamente por um mateiro. O pau-rosa é furtivo, discreto, parecido com outras árvores da floresta. Mesmo os mateiros, às vezes, só conseguem identificá-lo pelo cheiro, inconfundível. Também não gosta de aglomeração. Nas concentrações mais densas, pode haver um a cada dois hectares. "Para cortar a árvore leva-se, em média, uma hora", conta Martinelli em seu livro Amazônia, o Povo das Águas. "A madeira, que exala um odor de rosa, é muito rija, principalmente perto do miolo. Depois, as toras de mais de 100 quilos são carregadas nas costas até o rio mais próximo." O barco vai e volta do igarapé para a usina, levando as toras e trazendo os mantimentos básicos dos pau-roseiros: fumo, pólvora, café e pilha para as lanternas. "O patrão não dá nada. Só sal e farinha, e acabou. " O prato dos caboclos é uma folha chamada mumbaca e a seda para o cigarro é um tecido de madeira, conhecido como livrinho, que eles mesmos fazem. Nas horas vagas, produzem artesanato com cipó para vender na cidade. Cachaça - Mas o maior martírio começa na viagem de volta para a civilização. Um pouco antes de Faro, o barco pára em um boteco na beira do rio para os caboclos comprarem cachaça (fiado, pois só recebem o pagamento na usina). Quando chegam a Parintins, já estão completamente bêbados. E permanecem assim por dias, até semanas. "Todo mundo na cidade sabe quando chegam os pau-rosistas", conta Martinelli. "Eles ficam largados, caídos no meio da rua e da estrada. Dão dinheiro para todo mundo que passa e, depois de alguns dias, não têm mais nada. Aí procuram o patrão e pedem para voltar para o mato." Para Martinelli, os pau-roseiros têm duas personalidades: uma na floresta, trabalhando, e outra na cidade, caindo de bêbados. Tradicionalmente, por causa disso, não têm família. A maioria aparenta ser muito mais velha do que é. "O mato mata, deixa você verde", afirma o fotógrafo, com a experiência de quem trabalha há 30 anos na Amazônia. "Essa é a vida do caboclo." Fonte: O Estado de São Paulo (02/12/02)
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