A
problemática do lixo e o consumo consciente
Por: Maria Alice Oieno de Oliveira*
A cidade de São Paulo gera cerca
de 14 mil toneladas de lixo por dia e não há mais lugar
no próprio município para guardar esse material. Logo,
esse lixo deverá ser depositado em algum município vizinho.
Os custos desse espaço serão pagos, é claro,
pelo contribuinte.
Se considerarmos que mais da metade do lixo brasileiro é composta
de restos de alimentos, na cidade de São Paulo isso equivaleria
a cerca de sete toneladas a cada dia. Quantas pessoas ficam sem comer
por vários dias nesta cidade? O professor Aziz Ab'Saber comentou,
em conferência recente, que no Brasil, antes de discutir a questão
do cultivo de alimentos transgênicos como solução
para a fome, seria mais pertinente discutir a distribuição
dos alimentos, pois ela se mostra mais problemática do que
a falta deles.
No modelo de sociedade que hoje praticamos há uma corrida desigual
em busca da produção e do consumo, que abriga muitos
descuidos. Um desses imperdoáveis descuidos se refere à
negligência de alguns valores humanos elementares, como no exemplo
da distribuição de alimentos.
Há mais de uma década têm estado presentes nos
meios de comunicação, em publicações e
programas diversos, as possibilidades e benesses da reciclagem de
lixo. Já houve uma infinidade de tentativas e modelos de implementar
esse tipo de ação, apontada como a grande solução
para reduzir o volume absurdo de lixo produzido pela atividade humana,
com muito, pouco ou nenhum sucesso. Toda essa variação
na eficiência de tais programas tem obrigado a uma consideração
mais cuidadosa.
Além de questões culturais complexas, todas as mídias
e nossos anseios mais íntimos insistem em que essa ou aquela
aparência, esse ou aquele produto, vão solucionar as
questões de aceitação, auto-estima, realização
pessoal e prazer entre outras. Bastante dinheiro é investido
tanto na geração da "necessidade", como na produção
dos objetos "necessários", e no seu consumo. Produz-se aparentemente
mais do que é consumido, a julgar pela quantidade de promoções,
liquidações e práticas do gênero. Artifícios
dos mais diversos conduzem toda sorte de consumidor a adquirir muitos
objetos pelas mais variadas causas, dos mais diversos tipos, preços
e tamanhos. Assim, também é consumido mais do que o
que se pode utilizar de fato, a julgar pela quantidade de desperdício.
É dolorosa aqui a visão das conseqüências
da diferença de poder aquisitivo.
Um exemplo dessa situação é a moda atual que
pede enfeites natalinos cada vez mais complexos nas casas e nas ruas,
enfeites cheios de detalhes, de pequenas bugigangas elétricas
ou eletrônicas descartáveis; sem contar os obrigatórios
presentes com uma enormidade de embalagens igualmente sofisticadas,
embora o bom gosto ou a mais vaga noção de estética
pareçam irrelevantes diante da moda. Os papéis de presente
hoje não bastam, são substituídos por caixas,
envelopes metalizados e sacolas, ganham arranjos de florzinhas e fitas,
adesivos com dizeres referentes à data. O conteúdo do
"presente", por vezes um elemento a mais no conjunto, é geralmente
quase tão descartável quanto esse complexo de embalagens.
O significado, por sua vez, muitas vezes nem é sabido, sobretudo
pelas crianças. E não tem a menor importância.
O consumo de informações também tem sido, como
os outros tipos de consumo, uma prática compulsiva. Sua articulação
e sua utilização para modular pontos de vista e tomadas
de decisão são dificilmente percebidas na atuação
dos "superinformados". A partir de uma certa quantidade de dados,
bem como da velocidade do acesso a eles, seu processamento aparentemente
acaba prejudicado, gerando angústia e sensação
de inadequação.
A despeito de não ser a solução final para o
problema do lixo produzido, a reciclagem de resíduos das atividades
dessa sociedade é um caminho obrigatório. Para ser eficaz
ela precisaria, no entanto, ocorrer de forma tão veloz quanto
a produção do material em questão. Há
portanto muito esforço a ser empenhado nesse sentido.
A reflexão, porém, sobre a estrutura e o funcionamento
da sociedade que já se percebe em alguns momentos, de fato,
planetária, evolui para a revisão das práticas
educacionais, de construção civil, produção,
consumo, descarte, tratamento de resíduos, que devem ser consideradas
em consonância. As considerações parciais levam
a soluções temporárias, como a reciclagem, por
exemplo. Mas enquanto não se chega ao ponto, são imprescindíveis
o consumo racional, o questionamento sobre fontes de felicidade mais
adequadas ao ambiente e à sociedade humana e exercícios
conscientes de planejamento urbano.
Maria Alice Oieno de Oliveira é
educadora ambiental e técnica do Sesc
Fonte: Revista Senac.sp – www.sp.senac.br