O TRÁFICO ILEGAL DE ANIMAIS SILVESTRES NO BRASIL
Por: José Carlos Lopes

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O Brasil, um país de extensão continental localizado na América do Sul, possui uma das mais ricas biodiversidades do planeta. Em seu território, é estimada a existência de 10% de todas as espécies existentes no globo, sendo que 60% dos anfíbios, 35% dos macacos e répteis e 10% das aves só ali são encontrados.
No país são encontrados cinco diferentes ecossistemas: amazônico (floresta amazônica), atlântico (Mata Atlântica e o sistema lagunar/restinga/manguezal oceânicos), cerrado (Centro - Oeste), caatinga (Nordeste) e pantaneiro (Sudoeste).
Apesar das dificuldades impostas pela conjunta econômica internacional pouco favorável, o Brasil vem lutando para preservar o seu patrimônio. No entanto, em razão da perda dos habitats e a captura ilegal, o país apresenta 208 espécies ameaçadas de extinção.
Ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), agência executora ambiental ligada ao Ministério do Meio Ambiente brasileiro, cabe entre outras missões, exercer o gerenciamento, controle, proteção e preservação das espécies silvestres tanto da fauna quanto da flora.
Sorry, your browser doesn't support Java(tm). O Brasil é signatário da Convention on International Trade in Endangued Species of Wild Fauna and Flora - CITES. O tráfico é acompanhado e estudado sob duas óticas, ambas com características próprias: A ótica da vertente nacional que registra 28 rotas de uso onde os diferentes meios de transportes aquático, marítimo, rodoviário e aéreo são utilizados. A partir dos diferentes locais de captura, localizados particularmente nas regiões Norte e Nordeste do país, os animais são transportados de forma infame até o seu destino final, que são os grandes centros urbanos. Já a vertente internacional, com 13 rotas diferentes, tem por "base" importantes cidades brasileiras, particularmente Manaus, Belém, Itajaí, Florianópolis, Campo Grande, Rio de Janeiro e São Paulo e por destino final os grandes pólos compradores localizados em Miami/EUA, Bruxelas/Bélgica, Amsterdam/Holanda, Frankfurt/Alemanha e Singapura.
Na rota internacional, alguns países são identificados desempenhando o papel de "intermediários", ou seja, por onde os animais traficados permanecem pouco tempo aguardando o seu destino final. Os pontos "intermediários" estão localizados em cidades paraguaias e colombianas (na América do Sul), portuguesas, espanholas, russas e francesas (na Europa) e japonesas (Ásia).
As autoridades ambientais brasileiras têm enfrentado sérias dificuldades para exercer os controles do segmento aéreo internacional das rotas de tráfico. Essa dificuldade reside na complexidade e agilidade com que as operações aeroportuárias de embarque/desembarque se dão, particularmente nos grandes aeroportos.
No entanto, tem sido relativamente comum a ruptura dos trabalhos de fiscalização nos aeroportos internacionais. Isso se dá no momento em que o traficante logra êxito no desembaraço do animal (eles empregam várias formas para mascarar a natureza da carga) ou quando o mesmo já se encontra sob proteção das leis do território estrangeiro. Daí a necessidade de contar com instrumento operacional que permita prosseguir no trabalho de fiscalização.
Eventualmente, alguns resultados positivos têm sido colhidos com a participação de autoridades alfandegárias ou sanitárias estrangeiras, particularmente as dos países identificados como "intermediários". Essa participação está relacionada com medidas que frustam o tráfico e fazem retornar ao país de origem os animais apreendidos.
Foi o caso ocorrido em 1998, quando as autoridades francesas, ao constatarem a presença irregular de dois exemplares da raríssima espécie conhecida como arara-azul-de-lear nas instalações aeroportuária de Paris, interrompeu o fluxo ilegal e tomou todas as medidas recomendadas para o caso além do reembarcar os animais para o Brasil. Essa atitude além de simpática indica o alto grau de profissionalismo das autoridades francesas.
Em que pese o grande valor das medidas adotadas pelas autoridades francesas, o ideal ao nosso ver seria a existência de um instrumento internacional específico, de cunho operativo, que buscasse proporcionar às autoridades ambientais de todos os países os mesmos efeitos oferecidos pela França naquele episódio das araras-azuis-de-lear.
Como mais um medida de auxílio nos controles, o IBAMA está concluindo trabalho de elaboração de um CD ROM, a ser brevemente distribuído para todos os postos de fiscalização espalhados no país, inclusive aeroportos. Esse CD ROM permite à autoridade fiscalizadora, a partir de conhecimento bem geral sobre a fauna, identificar a espécie apreendida, local de origem, hábitos alimentares e situação legal entre outros. Dessa forma, pretende-se contornar a natural dificuldade apresentada pela maioria das autoridades fiscalizadoras na identificação do animal apreendido.
Recentemente, foi editado um poster em três idiomas (português, espanhol e inglês), a ser afixado nos portos, aeroportos, rodoviárias, ferroviárias e outros locais de intenso movimento humano, informando sobre a ilegalidade da compra, comercialização e transporte desautourizados de animais silvestres.
Além de tucanos, araras, papagaios e peixes ornamentais, outros animais ocupam extensa lista de espécies exploradas pelo tráfico: são os macacos, sapos e cobras traficados principalmente com o propósito de compor pesquisa na área biomédica. Os peixes ornamentais, pássaros, besouros, borboletas e aranhas visam atender à grande demanda promovida por ávidos colecionadores.
O acompanhamento das atividades dos traficantes de animais selvagens, no Brasil, revela que esse tipo de atividade ilegal ocupa, em volume de recursos financeiros, a terceira colocação dentre os principais mercados ilegais perdendo apenas para o de armas e o das drogas. Dada a grandeza dos recursos ilegais movimentados a atividade apresenta as principais características de crime organizado.
O crime organizado como se sabe, revela aspectos de funcionamento que o distingue das demais ações ilegais. Evidentemente, além das medidas que visam burlar os controles oficiais, explora ao máximo o sigilo nas operações, seus membros tomam medidas especiais nas comunicações entre si, mantém um eficiente aparato de proteção jurídica, utiliza com desenvoltura as técnicas de recrutamento dirigidas contra os membros das agências de controles do Estado e, principalmente, métodos persuasivos que vão da propina até a eliminação física do desafeto.
No entanto, a face mais complexa apresentada pelo tráfico ilegal de animais selvagens diz respeito à cooperação quase ingênua oferecida pela tradição do interior do Brasil de caça e captura dos animais selvagens. Como tem sido tradição o animal é caçado ou capturado vivo com o propósito de servir como reforço alimentar ou como mascote doméstico. No entanto, em função dos incentivos financeiros oferecidos pelo mercado ilegal, o destino do animal selvagem passou a ser, também, o de reforçar a renda familiar.
Quantitativamente, o maior número de participantes do tráfico no Brasil é encontrado na área de captura. São jovens e desempregados, lavradores ou pescadores que se ligam aos caminhoneiros, motoristas de ônibus e outros que transitam normalmente entre a zona rural e os médios e grandes centros urbanos. Nos centros urbanos, são encontrados os médios traficantes que desempenham o papel de "conector" com os grandes traficantes que atuam no mercado atacadista, voltado inclusive, para o tráfico internacional.
O processo é finalizado com o que se poderia denominar de "promotores". São os consumidores normalmente localizados nos criadores particulares, nos apostadores de "rinha", nos apreciadores de carnes "exóticas", em alguns zoológicos particulares e em empresas internacionais de produtos farmacêuticos.
O quadro econômico pouco favorável encontrado no Brasil tem contribuído de maneira significativa para o crescimento da captura de animais da natureza. Infelizmente, nas áreas de captura não existe quase atividade econômica produtiva. As atividades estão relacionadas com a agricultura de subsistência; coleta da borracha; derrubada ilegal de árvores para o mercado madeireiro, metalúrgico ou ceramista; mineração e pesca artesanal ou frentes emergenciais de trabalho instituídas pelo governo. Nessas áreas, a consciência predominante é a de que os recursos disponíveis na natureza são infinitos, capazes, portanto, de suportar qualquer grau de exploração.
Pelas razões acima, nas regiões Norte e Nordeste do país encontramos o maior número de pontos de captura e depósito do tráfico. As demais regiões ocupam, basicamente, o papel de comprador desse mercado organizado para saquear o patrimônio faunístico brasileiro.
Dessa forma, constata-se a concretização de um fato em que todos perdem: a ciência, que assiste impotente o desaparecimento contínuo de espécies que não foi possível conhecer; o Estado, que não vem conseguindo oferecer resultados positivos na proteção das espécies e, finalmente o povo, que alheio ao verdadeiro drama, tem o seu patrimônio dilapidado. Os únicos que auferem benefícios são os grandes traficantes e os ricos colecionadores de espécimens.
Apesar de não se conhecer dados mais atualizados a respeito das cifras movimentadas pelo tráfico ilegal de animais selvagens, estimativas bem realistas indicam que essas quantias devem girar em torno de um bilhão de dólares americanos movimentadas a cada ano, sem deixar um só tostão aos cofres públicos.
Em que pesem as diferentes e maciças campanhas de educação ambiental que buscam esclarecer às comunidades sobre a importância da proteção e preservação dos animais silvestres, promovidas particularmente pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA e entidades organizadas da sociedade civil, os resultados indicam que não houve mudança significativa no comportamento da maioria das comunidades brasileiras que pressionadas pelo fator econômico desfavorável, baixa escolaridade e tradição insistem em encarar com naturalidade o processo predatório em andamento. Fato largamente explorado pelos traficantes.
A caça antes praticada como complemento alimentar da família, passou a representar o primeiro elo na cadeia comercial instalada com o propósito de suprir o recente mercado criado para atender aos apreciadores de carne "exóticas", mormente situados nos grandes centros urbanos.
O IBAMA ciente das dificuldades econômicas enfrentadas pela maioria das comunidades do interior passou a credenciar, criadores particulares de animais silvestres, como forma de diminuir a pressão sobre as espécies. No país são encontrados os criadores comerciais, científicos e os conservacionistas. Essa medida parece que vem dando resultados, uma vez que espécies anteriormente identificadas como sob forte pressão passaram a recuperar o número de indivíduos em suas populações. Foi o caso do jacaré, capivara e do mico-leão-dourado, entre outros. Outras espécies estão em franca recuperação, mas ainda é cedo para registrar o sucesso.
Outro segmento bastante complexo, diz respeito à pesquisa científica ilegal (biopirataria) praticada por técnicos brasileiros ou estrangeiros a mando de laboratórios estrangeiros voltados para a busca de novas substâncias de aplicação biomédica. É tido como o segmento mais sofisticado do tráfico por envolver severo sigilo nas operações de campo. Se apoia nas grandes dificuldades estruturais oferecidas pela imensidão do território nacional, no mascaramento das reais atividades por outras amplamente aceitas, e, principalmente, nas deficiências de recursos apresentadas nas atividades de fiscalização e controles. É considerado o "filão" mais rico do tráfico já que a descoberta de uma nova substância ativa pode carrear milhões de dólares aos cofres dos grandes laboratórios sob a forma de produtos ou royalties.
Mesmo as ações tradicionais de fiscalização e o apoio de várias entidades ambientalistas, não vêm oferecendo resultados esperados, já que se observa o decrescente número de indivíduos de várias espécies com enormes riscos de desaparecimento da natureza. Os pequenos primatas são grandemente valorizados na medida em que são potencialmente aplicados na indústria farmacêutica e no desenvolvimento de novas técnicas estudadas pela engenharia genética.
Por outro lado, os instrumentos jurídicos nacionais e internacionais de proteção da fauna e a existência de uma estrutura especializada do Estado voltada para a regulamentação e controles das atividades do estrangeiro no País, neles incluído a pesquisa, não tem sido capazes de impedir a saída ilegal do conhecimento científico, com grandes perdas não só para o patrimônio genético brasileiro como, principalmente, para o segmento científico e econômico brasileiro em função da ampliação da dependência .
Essa vulnerabilidade tem permitido a pesquisa ilegal por estrangeiros, aparentemente com o envolvimento de alguns pesquisadores brasileiros, que atraídos pela promessa de ter o seu nome citado nos trabalhos a serem publicados ou por facilidades oferecidas para cursos de aperfeiçoamento no exterior, cooperam de maneira decisiva na obtenção do conhecimento desejado pela empresa estrangeira patrocinadora.
Dessa forma, a "biopirataria", também como um subproduto da flora , tem representado uma das mais importantes "sangrias" a que está submetido o Brasil, já que a descoberta de uma nova substância de emprego comercial, dentro dessa prática, pode representar economia de até US$300.000.000 (trezentos milhões de dólares) dentro de um processo que consome cerca de US$350.000.000 (trezentos e cinqüenta milhões de dólares).
No entanto, a face mais perversa de todo o processo diz respeito a cobrança de "royalties" sobre o uso de produtos cuja descoberta se baseia na apropriação indevida do bem genético do país lesado. É perverso na medida em que os produtos são, normalmente, de uso médico.
Nesse particular, as autoridades brasileiras incluindo o Congresso Nacional, apesar das limitações financeiras e da complexidade do assunto, vêm desenvolvendo medidas de natureza ampla de maneira que se possa exercer controles mais efetivos sobre as atividades de pesquisadores estrangeiros no país.
No caso do tráfico ilegal de animais silvestres vê-se como importante a participação mais efetiva das autoridades estrangeiras, particularmente daquelas cujos países são "consumidores". Esperamos que o exemplo da França seja seguido pelos demais países do planeta.
Apesar dos investimentos e empenho de todos aqueles que se preocupam com os efeitos danosos provocado por esse fenômeno, certo é que o patrimônio faunístico brasileiro como os demais de outras partes do mundo permanece sob violenta pressão que poderá ocasionar, em curtíssimo prazo de tempo, o enriquecimento de alguns poucos e o desaparecimento definitivo na natureza de valiosas espécies. A permanecer esse quadro, em breve só o registro visual restará para indicar a passagem histórica de um determinada espécie na natureza deixando a imagem de que o homem foi incapaz de distinguir na maravilhosa natureza o seu maior bem. Ele preferiu a omissão.
José Carlos Lopes é biólogo e consultor do Ibama.
Fonte: (Assessoria de Comunicação do Ibama) www.ibama.gov.br